quinta-feira, 14 de maio de 2015

essa sociedade me enoja
com seus preconceitos
com suas hipocrisias
sem falar nas desigualdades

mas está tudo bem
sinto-me normal
é o mínimo
que alguém
com o mínimo
de bom senso
pode
sentir

o que
verdadeiramente
me incomoda
é o medo de me tornar um deles
um desses velhos arrogantes
que já desistiram de lutar

mas do que eu tô falando?
essa luta já é uma luta perdida
se é que ainda há alguma luta
que não se confunda com demagogia

lembro daquele livro do sartre
tão bom e agradável quanto sífilis
no qual se destaca uma passagem
talvez a única que preste
em todo o livro
"o humanista é
antes de tudo
um misantropo"

afinal
é necessário odiar a humanidade
para querer salvá-la

terça-feira, 5 de maio de 2015

o relógio sussurra:
tic
tac

o cinzeiro está cheio
o copo vazio
e a noite segue
sem perguntar as horas
ou se tenho fome
ou se tenho sede

então o copo está cheio
e a noite vazia
sem perdoar as horas
castigando o cinzeiro

quarta-feira, 22 de abril de 2015

cadê o amor?
cadê a paixão?
onde foi parar a vontade
marcada com fogo e brasa
de ter alguém por quem
tome como
objeto
de
felicidade?

apaixonar-se
é desenhar o sentimento a lápis
por cima de uma realidade
escrita
por
uma
caneta bic
e esperar pela primeira borracha
                                        que passar

terça-feira, 21 de abril de 2015

uma última dose na madrugada
é tudo o que eu preciso
e dois cigarros
para fumar
antes
de dormir

as luzes da cidade dançam
e deixam seu rastro na mente
na memória
na parede
do
esquecimento

e o sol vai rasgar o céu
e banhar de calor
o rosto ébrio
soando álcool
outra noite se foi
outro
dia
chegou

bom dia

quarta-feira, 4 de março de 2015

seus lábios me tocam
enquanto sinto sua pele

sua língua
invadindo minha boca
suga a minha alma
e a razão do meu ser

o quarto diminui de tamanho
e toda a existência
é preenchida por nós
por nossos corpos
grudados
pelo
suor

e o mundo
poderia acabar
naquele momento
que nem o universo
e muito menos eu
sentiríamos falta

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

A Caixa

Escuro. Pouco ar. Não havia sequer uma fresta de luz, apenas odor de corpos suados se esfregando um no outro por não haver espaço nem para sentar, o odor de excrementos humanos sob pés descalços e o som de gemidos de dor e de morte. Não se poderia ter ideia de quantas pessoas havia ali, sequer poderia ter ideia da dimensão daquela caixa de concreto. De repente, luz. Uma luz que cega os olhos acostumados ao escuro. Uma pequena abertura no teto que estava a muitos metros do chão, e os rostos sujos e cadavéricos de homens e mulheres e crianças e velhos se iluminam e o sol lhes arde a pele despida. Neste momento, pode-se ver uma enorme garra metálica descendo e entrando na caixa. O medo do desconhecido e a vontade de sair dali se misturam a gritos de socorro e de piedade. Como quem pega um bicho de pelúcia, a garra captura alguém. O metal gelado lhe abraça o tronco e lhe ergue, enquanto outros tentam inutilmente se agarrar a seu corpo para tentar a sorte e sair daquele lugar. Apenas uma pessoa consegue se agarrar a seu pé, mas acaba caindo em cima daquela multidão de cadáveres vivos antes da garra sair totalmente da caixa, e a mesma multidão observa a luz desaparecer mais uma vez enquanto a abertura no teto se fecha.

Luz. Seus olhos demoram a se acostumar, sua cabeça começa a doer, tenta falar algo mas não consegue. O som de passos se aproximando o assusta. Seus olhos continuavam cegos pela claridade quando sente um jato de água forte lhe lançar contra uma parede. É difícil se manter em pé. Há quanto tempo estava naquela caixa? Há quanto tempo estava sem comer, sem dormir? Horas? Dias? Semanas? Meses? Como conseguiu se manter vivo? Finalmente consegue desmaiar ainda sob o jato de água que lhe açoitando o corpo.

Branco. Sentia-se descansado, limpo, sob lençóis limpos e com cheiro de amaciante e tudo ao seu redor era branco. Seus olhos começavam a se acostumar, já conseguia distinguir alguns vultos, inclusive alguém se aproximando. Sentiu uma picada no braço e dormiu.

Um quarto. Despertou. Sua visão já estava boa e conseguia ver com clareza que estava em um quarto que mais parecia um apartamento hospitalar. Era amplo e sua cama era confortável, mas provavelmente, depois da caixa, até um asfalto sob o sol do meio-dia seria confortável. Uma porta se abre, entra alguém vestido de branco segurando uma pequena caixa preta do tamanho de um cubo mágico. É um homem e se senta de pernas cruzadas numa cadeira ao lado da cama.

"O senhor deve ter muitas perguntas", diz o homem, "mas agora não há tempo para as respostas que o senhor deseja. Para ser franco, até que há tempo, mas é totalmente indiferente para mim que o senhor tenha qualquer pergunta a ser feita, creio que seja importante esclarecer isso desde já, pois não serei eu quem irá responder qualquer coisa que o senhor o queira saber. Apesar de não trazer uma resposta para as suas dúvidas, trago opções, mesmo que limitadas. Este artefato em minhas mãos é uma réplica em miniatura exata de onde o senhor esteve hospedado recentemente. Estou ciente do eventual desconforto que a estadia lá possa ter lhe causado, mas lamentar e queixar-se neste momento não mudará nada. Saiba que tudo agora depende do senhor. Enfim, eis as opções: dentro da réplica há um controle remoto com dois botões, um vermelho e um azul - o senhor está prestando atenção? -, no qual coisas distintas irão acontecer dependendo de qual botão o senhor optar. Se o senhor escolher o botão azul, um gás será expelido dentro da Caixa e sufocará todos que estão lá, mas o senhor poderá ser livre para seguir a vida que seguia antes de ser nosso hóspede; caso o senhor decida pelo botão vermelho, um  buraco se abrirá sob a sua cama e o senhor cairá de volta para onde estava para se juntar novamente com os outros que ainda estão lá. Devo salientar que, caso o senhor escolha voltar para onde estava, outro candidato será, assim como o senho foi, aleatoriamente trazido para cá para fazer a escolha que o senhor deve tomar agora. O senhor terá duas horas para pensar. Boa noite".

haicais

i
no meio do caminho
encontrei seu carinho
que saiu bem carinho

ii.
com gostinho de festa
o docinho que me deste
na língua ainda resta

iii.
eis a eterna chama
de longe a clama
de perto a ama

iv.
a puta ganha
a lua, e a chuva
banha a rua

v.
quáquáquás e paixões
entre patos e pathos
e desejos patéticos

vi.
amor de fogo
nesse infindo jogo
papel de bobo

vii.
telas iluminando rostos
enquanto abraços
esquecem outros corpos

viii.
chuva no vidro do carro
mormaço subindo do asfalto
e uma pedra no meu sapato

ix.
pontas de cigarro no cinzeiro
todas com marcas de insônia
nenhuma com marca de batom

x.
o dia, habitante sem rumo
de um diamante imundo
com o sangue do mundo